Acórdão: Apelação Cível n. 4842/2008.
Relator: Des. Clara Leite de Rezende.
Data da decisão: 27.01.2009.
ACÓRDÃO:587/2009
APELAÇÃO CÍVEL: 4842/2008
PROCESSO:2008213236
APELANTE: M.V.S.S
ADVOGADO: RICARDO ALEXANDRE ANDRADE SANTOS
APELADO: ECS
ADVOGADO:ROBERTO DE AQUINO NEVES
RELATOR:DESA. CLARA LEITE DE REZENDE
DATA DO JULGAMENTO: 27/01/2009
EMENTA: Apelação Cível. Ação de Reconhecimento de União Estável. Não caracterização do propósito de constituir família entre a apelada e o falecido. Requisitos do art. 1723 do CC não demonstrados.I - O cenário probatório revela que no ano que antecedeu seu falecimento, o de cujus gerou descendente no âmbito das relações matrimoniais, fazendo cair por terra eventual estabilidade da relação que mantinha com a apelada, com quem entabulara, durante quase todo tempo de convivência, relacionamento em paralelismo ao casamento.II - A prova testemunhal não é uníssona no reconhecimento da união estável, havendo relatos de que o falecido residia com sua esposa, mesmo após a decretação da separação judicial do casal.III - As vidas independentes, desvinculadas, desligadas ou desatadas, ainda que sob a égide do envolvimento sexual, mesmo que duradouro, não determinam o surgimento de união estável, que carece da junção umbilical, do enleamento definitivo, que faz dos consortes pessoas jungidas e que o destino de um haverá de afetar o futuro de outro. Recurso conhecido e provido. Decisão por maioria.
ACÓRDÃO
Acorda a Primeira Câmara Cível, sob a Presidência da Desembargadora Clara Leite de Rezende, por seu Grupo I, por maioria, conhecer o recurso para provê-lo, nos termos do voto proferido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Relatora.Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 4842/2008, em que figuram como partes as acima indicadas.
Aracaju/SE, 27 de Janeiro de 2009.
DES. ROBERTO EUGENIO DA FONSECA PORTO
REVISOR
DES. JOSÉ ALVES NETO
MEMBRO
RELATÓRIO
M.V.S.S, representado por sua genitora, ÂNGELA MARIA DA SILVA, apela contra a sentença da MMª Juíza de Direito da 6ª Vara Cível da Comarca de Aracaju/SE, nos autos da Ação Declaratória de Existência de União Estável, ajuizada por ÉRIKA CLARKSON DOS SANTOS.A decisão combatida (fls. 107/110) julgou procedente o pedido de reconhecimento da união estável nos seguintes termos:"ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para reconhecer a união estável mantida pelo casal E.C.S e J.R.S, no período de 1999 a 02 de dezembro de 2000, seguida da dissolução da união, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, tudo conforme o artigo 226 da CF/88 c/c artigos 1723 e seguintes do Código Civil e Súmula 380 do STF. (...)". (grifos no original).Em suas razões de Apelação (fls. 111/115), o apelante sustenta:a) Que sua representante legal foi casada com o Sr. J.R.S durante o período compreendido entre 24 de novembro de 1993 ao dia 03 de abril de 2000;b) Que o filho da apelada, Alan Douglas dos Santos, nasceu em 01 de abril de 2008, na constância, portanto, do casamento do de cujus, sendo fruto de relação concubinária adulterina, firmada em concorrência ao matrimônio;c) O intento da recorrida é angariar pensão para si própria, "burlando a legislação previdenciária, tentando demonstrar uma situação de companheira que jamais existiu", pois o falecido "era casado e o objetivo de constituir família sempre se deu com a mãe do Recorrente" (fl. 114). Requer, por fim, que seja conhecido o recurso e provido, para o desígnio de "declarar a inexistência de união estável entre a Recorrida e o Sr. J.R.S".Contra-razões reiterativas expostas às fls.119/124. Com vistas dos autos, a Procuradoria de Justiça, opinou pelo desprovimento do apelo, amparando-se basicamente na prova testemunhal, conforme parecer de fls. 133/135.É o relatório.
VOTO
O recurso é tempestivo, dispensado de preparo e atende a todos os requisitos legais, pelo que merece ser conhecido.
A inicial narra que a apelada, Érika Clarkson dos Santos e o falecido J.R.S mantiveram longo relacionamento amoroso e que a mesma dependia economicamente do de cujus, com quem teve um filho, nascido em 1998. Requereu o reconhecimento da união estável, frisando a intenção de se inscrever como dependente junto à Previdência.
Do cenário probatório documental, extraem-se as seguintes conclusões:
1) O falecido fora casado com a representante legal do apelante, Ângela Maria da Silva, durante o período compreendido entre novembro de 1993 a abril de 2000, quando houve a decretação da separação judicial do casal;
2) Em outubro de 1999, o apelante nasceu, sendo fruto do enlace amoroso do falecido com sua então esposa, conforme revela certidão de nascimento de fl. 50.
Daí se conclui que a apelada, durante um longo tempo, manteve com o de cujus relacionamento amoroso em paralelismo ao casamento, na linha do que parte da doutrina civilista concebe como concubinato impuro.
A prova documental também revela que a separação judicial do de cujus com a representante do apelante se consumou em abril de 2000, no oitavo mês anterior ao óbito do Senhor J.R.S.
De acordo com o art. 1.723 do Código Civil:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
O §1º do citado dispositivo legal complementa o conceito legal de união estável ao estabelecer:
§1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
Configura-se a união estável, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar, pela união pública, contínua e duradoura entre homem e mulher, não impedidos de casar, com a finalidade de constituir família.
Assim, para que restem asseguradas as relevantes seqüelas jurídicas dispostas no ordenamento civilista, com atribuição de direitos pessoais e patrimoniais, impõe-se a demonstração dos requisitos caracterizadores deste tipo de relacionamento.
Não há dúvida de que houve um relacionamento íntimo prolongado entre a apelada e o Sr. J.R.S, conforme atesta a prova testemunhal. Este relacionamento durou vários anos, tendo perdurado, durante quase todo o período, em paralelismo com o casamento. É possível concluir, de maneira inequívoca, que a relação concubinária mantida entre o falecido e a apelada apenas se manifestou sem as amarras da legislação civilista nos oito meses que antecederam a morte do varão, que apenas se separou de sua então esposa em abril de 2000.
Ocorre que para caracterizar as uniões estáveis não basta que as relações sejam públicas, contínuas e duradouras.
É fundamental, e aqui repousa a distinção entre os namoros com maior intimidade e prolongada duração, a presença do objetivo de constituição de família.
Por esse requisito se excluem, como diz Euclides de Oliveira, “os casos de relações eventuais, fugazes, que não apresentam interesse jurídico entre as partes, como as hipóteses de namoro ou de aconchego sexual esporádico, o fornicatio simplex, caracterizando a situação de amantes, sem relevo na esfera de seus direitos pessoais” (União Estável. Do Concubinato ao Casamento, Editora Método, 2003, p. 83).
In casu, a prova testemunhal colhida, a despeito do entendimento ministerial, é vacilante no que concerne à intenção do de cujus de robustecer os laços do relacionamento amoroso mantido com a apelada.
Há testemunhas em ambos os sentidos. Algumas atestando o objetivo de constituição de família por parte do de cujus, outras negando tal propósito. Algo, entretanto, é certo: durante longo tempo tal objetivo não se fez presente, pois o falecido permaneceu casado, revelando nítido propósito de manutenção de sua vida adúltera. Se com a sua separação judicial desfez tal desígnio, é algo cuja prova testemunhal, por si só, não deixa transparecer.
A bem da verdade, para haver realmente uma união estável, lembra Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, “deve ficar demonstrada uma prolongada vida em comum com ânimo de constituir família, havendo prova segura do relacionamento em tudo assemelhado ao casamento, marcado por uma comunhão de vida e interesses” (APC 70003620093, j. 06.03.2002).
Daí por que esse elemento é fundamental, ainda que subjetivo, pois as vidas independentes, desvinculadas, desligadas ou desatadas, ainda que sob a égide do envolvimento sexual, mesmo que duradouro, não determinam o surgimento de união estável, que carece da junção umbilical, do enleamento definitivo, que faz dos consortes pessoas jungidas e que o destino de um haverá de afetar o futuro de outro.
E é exatamente este o elemento que não restou demonstrado de forma cabal pela prova produzida no feito.
A testemunha Carmelita Maria de Oliveira Santos (fls. 88/89) relata:
“Que conhece a senhora Ângela há uns 20 anos e o senhor José em igual período, pois a mãe de José morava vizinho a casa do depoente. Que conheceu Ângela porque era casada com o senhor José e moravam perto da residência da depoente. (...) Que quando o senhor Roberto morreu morava com Ângela. (...) Que não tinha conhecimento se José também convivia com Érica (...)”.
De impressões análogas comungou a testemunha Enivalda de Jesus Santos (fl. 88). Por outro viés, as testemunhas arroladas pela apelada contaram versões diferentes, no sentido de que o falecido, após a separação, passou a conviver constantemente com Érika, apresentando-a como esposa perante a sociedade (depoimentos de fls. 86/88).
Em resumo, o cenário probatório aparece envolto num terreno nebuloso e cinzento, revelando-se a prova testemunhal frágil e vacilante, muito embora o entendimento diverso do Excelentíssimo Procurador de Justiça. O reconhecimento de uma situação jurídica suplica por provas contundentes que dimanem solidez e verossimilhança. O julgador não pode pautar-se em conjecturas, mas em provas.
Sobre o assunto, assim se manifestou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“aPELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE VIDA SOB O MESMO TETO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CARACTERIZADA.
1 - A atribuição de importantes direitos de natureza pessoal e patrimonial às pessoas que vivem em união estável exige demonstração induvidosa de que o relacionamento se construiu com os requisitos previstos no art. 1.723 do CCB.
2 - (...).
3. No caso dos autos, não há dúvida acerca da relação amorosa havida entre a autora e o falecido, mas que não chegou a se consolidar como uma entidade familiar.PROVERAM, POR MAIORIA.” (TJRS. 7ª câmara Cível. AC Nº 70013787536. Rel. Luiz Felipe Brasil Santos. Julg. 26/03/2006)
“UNIÃO ESTÁVEL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. Para caracterizar uniões estáveis não basta que as relações sejam públicas, contínuas e duradouras. É fundamental - e aqui repousa a distinção entre os namoros com maior intimidade e prolongada duração - a presença do objetivo de constituição de família. Na feliz concepção de Ortega y Gasset, o indivíduo compõe-se por suas circunstâncias existenciais. Ninguém é uma ilha fora do tempo, do espaço e das relações interpessoais. Assim, se duas pessoas não assumem integralmente as circunstâncias de vida uma da outra não se caracteriza a entidade familiar denominada união estável. Morando cada um, ao longo de vários anos, em residências separadas, sem que haja justificativa razoável para tanto, descaracteriza-se o intuito de formar família, que se faz presente na convivência diária, no partilhar dos bons e maus momentos, na solidariedade cotidiana.
DERAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO E JULGARAM PREJUDICADO O SEGUNDO, POR MAIORIA.” (TJRS. 7ª câmara Cível. AC Nº Nº 70007711815. Rel. Luiz Felipe Brasil Santos. Julg. 19/05/2006)
Não é sem razão que o casamento estabelece uma comunhão plena de vida (art. 1.511 do Código Civil), e assim também se deve buscar na união estável (art. 1.723), o que não se depreende no caso dos autos.
Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE CONCUBINA E VIÚVA. IMPOSSIBILIDADE.
I - Ao erigir à condição de entidade familiar a união estável, inclusive facilitando a sua conversão em casamento, por certo que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional não contemplaram o concubinato, que resulta de união entre homem e mulher impedidos legalmente de se casar. Na espécie, o acórdão recorrido atesta que o militar convivia com sua legítima esposa.
II - O direito à pensão militar por morte, prevista na Lei nº 5.774/71, vigente à época do óbito do instituidor, só deve ser deferida à esposa, ou a companheira, e não à concubina.
Recurso especial provido.”
(REsp 813.175/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ 29/10/2007 p. 299).
Por todo o exposto, somos pelo conhecimento e provimento do apelo, invertendo-se o ônus da sucumbência.
É como votamos.
Aracaju/SE, 27 de Janeiro de 2009.
DESA. CLARA LEITE DE REZENDE
RELATOR
VOTO VENCIDO
Tratam os autos de uma apelação cível proposta por M.V.S.S, em ação Declaratória de União Estável promovida por Érika Clarkson dos Santos, julgada procedente pelo Juízo da 6ª Vara Cível.
Fazendo um breve histórico dos autos, a Sra. Érika Clarkson dos Santos ajuizou ação declaratória de união estável, pretendendo o reconhecimento do período de convivência duradoura e estável com o Sr.Jose Roberto dos Santos, do qual nasceu o menor Alan Douglas dos Santos.
A autora objetiva a declaração de união estável, a fim de que possa beneficiar-se da pensão por morte, já recebida pelos filhos do falecido, M.V.S.S e Alan Douglas dos Santos.
Aparentemente, segundo os depoimentos das partes envolvidas e testemunhas, o casal conviveu pacificamente, de janeiro de 2000 até dezembro do mesmo ano, quando veio a falecer o Sr. Jose Roberto.
Importa acrescentar ainda que apesar de oficialmente o casal somente conviver a partir de janeiro de 2000, já havia um relacionamento anterior, ou uma “estória” de vida entre eles, pois que o único filho, Alan Douglas, nasceu em 01 de abril de 1998. A separação judicial veio tão somente para solidificar a situação de ambos.
Segundo depoimentos das testemunhas prestados à delegacia de polícia, às fls.13/24, todos são unânimes em afirmar que o falecido convivia maritalmente com a autora, residindo inclusive sobre o mesmo teto, cuja casa era alugada pelo “de cujus”, sendo a autora conhecida como “esposa” do segurado, sem notícias de qualquer outro casamento anterior.
Assim, vislumbra-se que a intenção da autora era conviver realmente em regime de união estável, ou seja, de forma pacífica, duradoura e pública com o Sr. Jose Roberto, apesar de seu falecimento prematuro.
Bem expressou o Procurador de Justiça atuante: “Para que um relacionamento seja entendido com união estável basta que seja duradouro, tenha caráter de seriedade, intuito de constituir família e seja conhecido como tal pela comunidade onde vive.
Ficou suficientemente provado o relacionamento contínuo entre Érika e Jose Roberto pelo período de novembro de 1999 até a morte do de cujus em dezembro de 2000. Há, portanto, de se manter a sentença de primeiro grau”.
Desta forma, não vejo razões para modificar a decisão de primeiro grau, razão porque nego provimento ao recurso.
É como voto.
Aracaju/SE, 27 de janeiro de 2009.
Desembargador JOSÉ ALVES NETO
MEMBRO
Aracaju/SE, 27 de Janeiro de 2009
DES. JOSÉ ALVES NETO
MEMBRO
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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